Apenas outro Josué Edilson
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Meu
nome é Josué Edilson, e hoje foi o dia em que meu mundo quase
desmoronou. Tudo por causa de uma miniatura entregue no apartamento
errado. Provavelmente no de Josué Edson, aquele sujeito do 302. Mal
posso respirar só de pensar nisso.
Sentado aqui, na minha kitinete, não consigo parar de rememorar o momento em que tudo começou. Lá estava eu, aos sete anos, recebendo de meu pai um Corcel cor-de-rosa em miniatura. Naquele instante, algo dentro de mim se acendeu, uma paixão que jamais se apagaria. Mas também senti um frio na espinha, como se soubesse que esse hobby um dia me traria problemas.
E não é que esse dia chegou? Imagino Josué Edson saindo pelas ruas, perguntando de quem era aquela miniatura. Ou pior, ele pode ter questionado o porteiro sobre a entrega errada. Aquele porteiro bolsonarista, que agora deve estar fazendo piadas sobre mim para os amigos no bar da esquina.
Meu coração dispara. Sinto o suor escorrendo pela testa. Ninguém pode saber. Ninguém nunca poderá saber que, como uma criança, eu coleciono carrinhos. É meu segredo mais precioso, minha vergonha mais profunda.
Respiro fundo, tentando me acalmar. Olho para a estante cheia de miniaturas e sinto um misto de orgulho e pânico. São tantos anos de coleção, tantas histórias... E agora, tudo pode vir abaixo por causa de um simples erro de entrega.
Não. Não posso deixar isso acontecer. Preciso agir, preciso proteger meu segredo. Levanto-me decidido, pego minha carteira e saio da kitinete. Vou até a padaria Oxxo aqui perto. Preciso de um brigadeiro para acalmar os nervos, para comemorar que minha eterna criança interior ainda não foi descoberta.
Enquanto caminho, sinto-me como se estivesse em um filme de espionagem. Cada pessoa que passa por mim parece saber meu segredo. Será que estou ficando paranoico? Ou será que o universo está conspirando contra mim?
O detector de entrada da porta da Oxxo toca quando entro, e sinto como se todos os olhares se voltassem para mim. O atendente sorri, mas será que ele sabe? Será que todos sabem? Pego o brigadeiro com mãos trêmulas e volto para a rua, meu refúgio temporário.
Enquanto caminho de volta para casa, vejo um grupo de crianças brincando com carrinhos na calçada. Por um momento, sinto inveja de sua liberdade, da inocência com que exibem sua paixão. Mas logo afasto esse pensamento. Sou um adulto agora, não posso me dar ao luxo de tal exposição.
De volta à kitinete, coloco o brigadeiro na mesa e me sento diante da minha coleção. Cada miniatura conta uma história, cada uma é um pedaço da minha alma. O Corcel cor-de-rosa, minha primeira aquisição, parece me encarar com reprovação. “Por que você se esconde?”, parece perguntar.
Balanço a cabeça, tentando afastar esses pensamentos. Não posso fraquejar agora. Preciso formular um plano para recuperar minha miniatura perdida sem levantar suspeitas. Talvez eu possa fingir ser um entregador, ou talvez...
O som da campainha me arranca dos meus devaneios. Meu coração para por um instante. Será Josué Edson? O porteiro? Ou pior, será que chamaram a polícia? Afinal, que adulto normal coleciona miniaturas de carrinhos?
Com passos hesitantes, me aproximo da porta. A campainha toca novamente, mais insistente desta vez. Respiro fundo, tentando acalmar meus nervos. A mão na maçaneta, pronto para enfrentar meu destino. Seja o que Deus quiser.
Abro a porta e...
É apenas o carteiro, com um pacote nas mãos. Alívio e decepção se misturam em meu peito. O porteiro não estava e a faxineira mandou ele subir, uma prova de que não posso confiar em ninguém aqui. Assino o recibo mecanicamente, sem nem olhar direito para o que estou recebendo. Só depois que fecho a porta é que percebo: o pacote tem o logotipo da loja de miniaturas.
Meus dedos tremem ao abrir a caixa. Lá dentro, aninhada em plástico-bolha, está ela: a miniatura que eu pensava ter sido entregue por engano. Um Chevette azul-metálico, edição limitada.
Então... foi tudo um mal-entendido? Uma confusão na minha cabeça? Ou será que o universo decidiu me dar uma segunda chance?
Seguro o Chevette nas mãos, sentindo seu peso, sua realidade. Olho para o brigadeiro na mesa, ainda intocado. De repente, me sinto ridículo. Toda essa paranoia, todo esse medo... para quê?
Coloco a miniatura na estante, ao lado do Corcel cor-de-rosa. Eles parecem combinar, de alguma forma estranha. Pego o brigadeiro e dou uma mordida, saboreando sua doçura.
Amanhã, penso, talvez eu convide Josué Edson para um café. Quem sabe ele não tenha uma coleção secreta também? Me recosto sobre minha pilha de cobertores e durmo.
O som do despertador me arranca de um sono intranquilo. Abro os olhos e, por um momento, não sei onde estou. As paredes da kitinete parecem se fechar sobre mim, e a luz que entra pela janela ilumina minha coleção de miniaturas, fazendo-as brilhar como acusações silenciosas.
Levanto-me, ainda sentindo o gosto do brigadeiro na boca. A ideia de convidar Josué Edson para um café agora me parece absurda. O que eu estava pensando? Revelar meu segredo assim, de repente? Não, não posso.
Vou até a cozinha e preparo um café forte. O aroma me acalma um pouco, mas não consigo parar de olhar para a porta. E se alguém bater? E se for o porteiro, com aquele sorriso irônico, pronto para me expor?
Volto para a sala e pego o Chevette azul-metálico. Examino cada detalhe, cada curva perfeita. É real, está aqui. Mas então, por que sinto como se algo ainda estivesse errado?
Decido que preciso sair. O ar da kitinete está pesado demais, carregado de medos e suspeitas. Visto-me rapidamente e saio, trancando a porta duas vezes, só para ter certeza.
No corredor, ouço vozes. Congelo. São Josué Edson e o porteiro, conversando em voz baixa. Esgueiro-me até a escada, tentando ouvir o que dizem.
"...miniatura...", ouço o porteiro dizer.
"...coleção...", responde Josué Edson.
Meu coração dispara. Estão falando de mim? Sabem do meu segredo? Ou será que... Josué Edson também coleciona miniaturas?
Desço as escadas correndo, sem me importar se eles me ouvem. Na rua, o sol me cega por um momento. Respiro fundo, tentando me acalmar.
Caminho sem rumo, perdido em pensamentos. As pessoas passam por mim, cada uma carregando seus próprios segredos. Quantos deles também têm uma coleção escondida? Quantos vivem com medo de serem descobertos?
Acabo chegando ao bosque dos Jequitibás. Sento-me em um banco e observo as crianças brincando. Um menino passa correndo, segurando um carrinho de brinquedo. Por um momento, nossos olhares se cruzam, e ele sorri. Sinto uma pontada no peito.
Fecho os olhos e me lembro do dia em que ganhei meu primeiro carrinho. A alegria que senti, o orgulho nos olhos do meu pai. Quando foi que essa alegria se transformou em vergonha? Quando comecei a me esconder?
Abro os olhos, determinado. Não posso continuar vivendo assim, com medo das sombras. É hora de enfrentar meus medos, de aceitar quem eu sou.
Levanto-me e começo a caminhar de volta para casa. A cada passo, sinto um peso saindo dos meus ombros. Vou convidar Josué Edson para um café, sim. E vou mostrar minha coleção a ele, com orgulho.
Porque, afinal, o que há de errado em ser um eterno menino? O que há de errado em colecionar memórias, sonhos e miniaturas?
Chego ao prédio e vejo Josué Edson saindo. Respiro fundo. É agora ou nunca.
“Josué Edson”, chamo. Ele se vira, surpreso. “Gostaria de tomar um café?”
Josué Edson me olha com uma mistura de surpresa e curiosidade. Por um momento, penso em recuar, em inventar uma desculpa qualquer. Mas não. Já cheguei até aqui.
“Claro,” ele responde, sorrindo. “Vamos subir?”
Assinto, sentindo meu coração martelar no peito. Enquanto subimos as escadas, um silêncio pesado paira entre nós. Chegamos à minha porta e, com mãos trêmulas, destranco-a.
Ao entrarmos, vejo Josué Edson olhar ao redor, seus olhos se arregalando ao ver minha coleção. Espero pelo pior: o riso, o escárnio, a zombaria. Mas nada disso vem.
“Incrível,” ele murmura, aproximando-se da estante. “Essa é uma coleção e tanto, Josué Edilson.”
Fico paralisado, incapaz de processar suas palavras. Será que ouvi direito?
Josué Edson se vira para mim, um brilho nos olhos. “Sabe, eu sempre quis começar uma coleção assim. Mas nunca tive coragem.”
As palavras saem antes que eu possa contê-las: “Por quê?”
Ele dá de ombros, um sorriso triste nos lábios. “Medo do que os outros pensariam, eu acho. De ser julgado.”
Naquele momento, é como se um espelho se partisse. Vejo em Josué Edson o reflexo dos meus próprios medos, das minhas próprias inseguranças. E percebo o quão tolo fui.
“Quer ver minha peça favorita?” pergunto, sentindo uma onda de entusiasmo que não sentia há anos.
Josué Edson concorda, animado. Pego o Corcel cor-de-rosa e começo a contar sua história. As palavras fluem, libertas finalmente do medo e da vergonha. Falo sobre meu pai, sobre minha infância, sobre os sonhos que cada miniatura representa.
As horas passam sem que percebamos. Rimos, compartilhamos histórias, descobrimos que temos muito mais em comum do que jamais imaginei. Josué Edson me conta sobre sua coleção secreta de selos, escondida em uma caixa debaixo da cama.
Quando ele finalmente se despede, já é noite. Fecho a porta e olho para minha coleção. As miniaturas parecem diferentes agora, brilhando não com acusação, mas com orgulho.
Pego o Chevette azul-metálico, aquele que pensei ter sido entregue por engano. Agora entendo que não foi um erro, mas um presente do destino. Foi o empurrão que eu precisava para sair da minha zona de conforto, para enfrentar meus medos.
Coloco-o de volta na estante, ao lado do Corcel cor-de-rosa. Juntos, eles contam uma história: a história de um menino que se perdeu e de um homem que se encontrou.
Olho pela janela, para a cidade que se estende lá fora. Quantos outros Josué Edilsons existem por aí? Quantos vivem escondidos, com medo de serem quem realmente são?
Pego meu celular e mando uma mensagem para Josué Edson: “Que tal montarmos um clube de colecionadores no prédio?”
A resposta vem quase instantaneamente: “Achei que você nunca ia perguntar!”
Sorrio, sentindo uma paz que não sentia há muito tempo. Amanhã será um novo dia. Um dia em que não preciso mais me esconder. Um dia em que posso ser, finalmente, Josué Edilson, o colecionador de miniaturas.
Porque, afinal, não há nada de errado em ser um eterno menino. Não há nada de errado em colecionar sonhos, memórias e miniaturas.
E quem sabe? Talvez haja um pouco de Josué Edilson em todos nós.
Sentado aqui, na minha kitinete, não consigo parar de rememorar o momento em que tudo começou. Lá estava eu, aos sete anos, recebendo de meu pai um Corcel cor-de-rosa em miniatura. Naquele instante, algo dentro de mim se acendeu, uma paixão que jamais se apagaria. Mas também senti um frio na espinha, como se soubesse que esse hobby um dia me traria problemas.
E não é que esse dia chegou? Imagino Josué Edson saindo pelas ruas, perguntando de quem era aquela miniatura. Ou pior, ele pode ter questionado o porteiro sobre a entrega errada. Aquele porteiro bolsonarista, que agora deve estar fazendo piadas sobre mim para os amigos no bar da esquina.
Meu coração dispara. Sinto o suor escorrendo pela testa. Ninguém pode saber. Ninguém nunca poderá saber que, como uma criança, eu coleciono carrinhos. É meu segredo mais precioso, minha vergonha mais profunda.
Respiro fundo, tentando me acalmar. Olho para a estante cheia de miniaturas e sinto um misto de orgulho e pânico. São tantos anos de coleção, tantas histórias... E agora, tudo pode vir abaixo por causa de um simples erro de entrega.
Não. Não posso deixar isso acontecer. Preciso agir, preciso proteger meu segredo. Levanto-me decidido, pego minha carteira e saio da kitinete. Vou até a padaria Oxxo aqui perto. Preciso de um brigadeiro para acalmar os nervos, para comemorar que minha eterna criança interior ainda não foi descoberta.
Enquanto caminho, sinto-me como se estivesse em um filme de espionagem. Cada pessoa que passa por mim parece saber meu segredo. Será que estou ficando paranoico? Ou será que o universo está conspirando contra mim?
O detector de entrada da porta da Oxxo toca quando entro, e sinto como se todos os olhares se voltassem para mim. O atendente sorri, mas será que ele sabe? Será que todos sabem? Pego o brigadeiro com mãos trêmulas e volto para a rua, meu refúgio temporário.
Enquanto caminho de volta para casa, vejo um grupo de crianças brincando com carrinhos na calçada. Por um momento, sinto inveja de sua liberdade, da inocência com que exibem sua paixão. Mas logo afasto esse pensamento. Sou um adulto agora, não posso me dar ao luxo de tal exposição.
De volta à kitinete, coloco o brigadeiro na mesa e me sento diante da minha coleção. Cada miniatura conta uma história, cada uma é um pedaço da minha alma. O Corcel cor-de-rosa, minha primeira aquisição, parece me encarar com reprovação. “Por que você se esconde?”, parece perguntar.
Balanço a cabeça, tentando afastar esses pensamentos. Não posso fraquejar agora. Preciso formular um plano para recuperar minha miniatura perdida sem levantar suspeitas. Talvez eu possa fingir ser um entregador, ou talvez...
O som da campainha me arranca dos meus devaneios. Meu coração para por um instante. Será Josué Edson? O porteiro? Ou pior, será que chamaram a polícia? Afinal, que adulto normal coleciona miniaturas de carrinhos?
Com passos hesitantes, me aproximo da porta. A campainha toca novamente, mais insistente desta vez. Respiro fundo, tentando acalmar meus nervos. A mão na maçaneta, pronto para enfrentar meu destino. Seja o que Deus quiser.
Abro a porta e...
É apenas o carteiro, com um pacote nas mãos. Alívio e decepção se misturam em meu peito. O porteiro não estava e a faxineira mandou ele subir, uma prova de que não posso confiar em ninguém aqui. Assino o recibo mecanicamente, sem nem olhar direito para o que estou recebendo. Só depois que fecho a porta é que percebo: o pacote tem o logotipo da loja de miniaturas.
Meus dedos tremem ao abrir a caixa. Lá dentro, aninhada em plástico-bolha, está ela: a miniatura que eu pensava ter sido entregue por engano. Um Chevette azul-metálico, edição limitada.
Então... foi tudo um mal-entendido? Uma confusão na minha cabeça? Ou será que o universo decidiu me dar uma segunda chance?
Seguro o Chevette nas mãos, sentindo seu peso, sua realidade. Olho para o brigadeiro na mesa, ainda intocado. De repente, me sinto ridículo. Toda essa paranoia, todo esse medo... para quê?
Coloco a miniatura na estante, ao lado do Corcel cor-de-rosa. Eles parecem combinar, de alguma forma estranha. Pego o brigadeiro e dou uma mordida, saboreando sua doçura.
Amanhã, penso, talvez eu convide Josué Edson para um café. Quem sabe ele não tenha uma coleção secreta também? Me recosto sobre minha pilha de cobertores e durmo.
O som do despertador me arranca de um sono intranquilo. Abro os olhos e, por um momento, não sei onde estou. As paredes da kitinete parecem se fechar sobre mim, e a luz que entra pela janela ilumina minha coleção de miniaturas, fazendo-as brilhar como acusações silenciosas.
Levanto-me, ainda sentindo o gosto do brigadeiro na boca. A ideia de convidar Josué Edson para um café agora me parece absurda. O que eu estava pensando? Revelar meu segredo assim, de repente? Não, não posso.
Vou até a cozinha e preparo um café forte. O aroma me acalma um pouco, mas não consigo parar de olhar para a porta. E se alguém bater? E se for o porteiro, com aquele sorriso irônico, pronto para me expor?
Volto para a sala e pego o Chevette azul-metálico. Examino cada detalhe, cada curva perfeita. É real, está aqui. Mas então, por que sinto como se algo ainda estivesse errado?
Decido que preciso sair. O ar da kitinete está pesado demais, carregado de medos e suspeitas. Visto-me rapidamente e saio, trancando a porta duas vezes, só para ter certeza.
No corredor, ouço vozes. Congelo. São Josué Edson e o porteiro, conversando em voz baixa. Esgueiro-me até a escada, tentando ouvir o que dizem.
"...miniatura...", ouço o porteiro dizer.
"...coleção...", responde Josué Edson.
Meu coração dispara. Estão falando de mim? Sabem do meu segredo? Ou será que... Josué Edson também coleciona miniaturas?
Desço as escadas correndo, sem me importar se eles me ouvem. Na rua, o sol me cega por um momento. Respiro fundo, tentando me acalmar.
Caminho sem rumo, perdido em pensamentos. As pessoas passam por mim, cada uma carregando seus próprios segredos. Quantos deles também têm uma coleção escondida? Quantos vivem com medo de serem descobertos?
Acabo chegando ao bosque dos Jequitibás. Sento-me em um banco e observo as crianças brincando. Um menino passa correndo, segurando um carrinho de brinquedo. Por um momento, nossos olhares se cruzam, e ele sorri. Sinto uma pontada no peito.
Fecho os olhos e me lembro do dia em que ganhei meu primeiro carrinho. A alegria que senti, o orgulho nos olhos do meu pai. Quando foi que essa alegria se transformou em vergonha? Quando comecei a me esconder?
Abro os olhos, determinado. Não posso continuar vivendo assim, com medo das sombras. É hora de enfrentar meus medos, de aceitar quem eu sou.
Levanto-me e começo a caminhar de volta para casa. A cada passo, sinto um peso saindo dos meus ombros. Vou convidar Josué Edson para um café, sim. E vou mostrar minha coleção a ele, com orgulho.
Porque, afinal, o que há de errado em ser um eterno menino? O que há de errado em colecionar memórias, sonhos e miniaturas?
Chego ao prédio e vejo Josué Edson saindo. Respiro fundo. É agora ou nunca.
“Josué Edson”, chamo. Ele se vira, surpreso. “Gostaria de tomar um café?”
Josué Edson me olha com uma mistura de surpresa e curiosidade. Por um momento, penso em recuar, em inventar uma desculpa qualquer. Mas não. Já cheguei até aqui.
“Claro,” ele responde, sorrindo. “Vamos subir?”
Assinto, sentindo meu coração martelar no peito. Enquanto subimos as escadas, um silêncio pesado paira entre nós. Chegamos à minha porta e, com mãos trêmulas, destranco-a.
Ao entrarmos, vejo Josué Edson olhar ao redor, seus olhos se arregalando ao ver minha coleção. Espero pelo pior: o riso, o escárnio, a zombaria. Mas nada disso vem.
“Incrível,” ele murmura, aproximando-se da estante. “Essa é uma coleção e tanto, Josué Edilson.”
Fico paralisado, incapaz de processar suas palavras. Será que ouvi direito?
Josué Edson se vira para mim, um brilho nos olhos. “Sabe, eu sempre quis começar uma coleção assim. Mas nunca tive coragem.”
As palavras saem antes que eu possa contê-las: “Por quê?”
Ele dá de ombros, um sorriso triste nos lábios. “Medo do que os outros pensariam, eu acho. De ser julgado.”
Naquele momento, é como se um espelho se partisse. Vejo em Josué Edson o reflexo dos meus próprios medos, das minhas próprias inseguranças. E percebo o quão tolo fui.
“Quer ver minha peça favorita?” pergunto, sentindo uma onda de entusiasmo que não sentia há anos.
Josué Edson concorda, animado. Pego o Corcel cor-de-rosa e começo a contar sua história. As palavras fluem, libertas finalmente do medo e da vergonha. Falo sobre meu pai, sobre minha infância, sobre os sonhos que cada miniatura representa.
As horas passam sem que percebamos. Rimos, compartilhamos histórias, descobrimos que temos muito mais em comum do que jamais imaginei. Josué Edson me conta sobre sua coleção secreta de selos, escondida em uma caixa debaixo da cama.
Quando ele finalmente se despede, já é noite. Fecho a porta e olho para minha coleção. As miniaturas parecem diferentes agora, brilhando não com acusação, mas com orgulho.
Pego o Chevette azul-metálico, aquele que pensei ter sido entregue por engano. Agora entendo que não foi um erro, mas um presente do destino. Foi o empurrão que eu precisava para sair da minha zona de conforto, para enfrentar meus medos.
Coloco-o de volta na estante, ao lado do Corcel cor-de-rosa. Juntos, eles contam uma história: a história de um menino que se perdeu e de um homem que se encontrou.
Olho pela janela, para a cidade que se estende lá fora. Quantos outros Josué Edilsons existem por aí? Quantos vivem escondidos, com medo de serem quem realmente são?
Pego meu celular e mando uma mensagem para Josué Edson: “Que tal montarmos um clube de colecionadores no prédio?”
A resposta vem quase instantaneamente: “Achei que você nunca ia perguntar!”
Sorrio, sentindo uma paz que não sentia há muito tempo. Amanhã será um novo dia. Um dia em que não preciso mais me esconder. Um dia em que posso ser, finalmente, Josué Edilson, o colecionador de miniaturas.
Porque, afinal, não há nada de errado em ser um eterno menino. Não há nada de errado em colecionar sonhos, memórias e miniaturas.
E quem sabe? Talvez haja um pouco de Josué Edilson em todos nós.
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